"Não sou associado, logo não preciso pagar": será que essa estratégia realmente funciona ou é uma armadilha jurídica?

Dr. Ednei Oliveira Antunes

A Importância da Legislação Municipal na Validação da Cobrança

O Conflito entre Liberdade Associativa e Vedação ao Enriquecimento Sem Causa

A cobrança de taxas de manutenção por Associações de Moradores em loteamentos de acesso controlado (os chamados "bolsões" ou loteamentos fechados) é um dos temas mais controversos e litigiosos do Direito Imobiliário e Civil brasileiro.

De um lado, proprietários defendem o direito constitucional à livre associação (ninguém é obrigado a se associar ou manter-se associado). Do outro, as Associações buscam evitar o enriquecimento sem causa, uma vez que as benfeitorias, segurança e manutenção valorizam todos os imóveis, independentemente de o proprietário ser associado ou não.

O Entendimento do STF (Tema 492) e a Complexidade do Caso

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 492 de Repercussão Geral, pacificou parcialmente a questão, fixando a tese de que é inconstitucional a cobrança de taxas de proprietários não associados até o advento da Lei Federal nº 13.465/2017.

Contudo, muitos se enganam ao acreditar que a tese do STF é uma "carta branca" para a inadimplência ou para a desassociação visando o não pagamento. O próprio Tema 492 traz uma exceção crucial, muitas vezes ignorada em defesas genéricas: a existência de anterior lei municipal que discipline a questão.

É neste ponto que a análise estratégica do caso concreto se faz vital. A aplicação da jurisprudência não é automática; ela depende do exame do histórico do loteamento e da legislação da cidade onde o imóvel se situa.

Estudo de Caso: A Vitória da Associação Baseada na Legislação Local

Recentemente, nosso escritório, atuando em defesa de uma Associação de Moradores na comarca de Jaguariúna/SP, obteve importante vitória judicial que ilustra perfeitamente essa nuance jurídica.

No caso em questão, o proprietário devedor alegava que havia se "desassociado" antes da Lei Federal de 2017 e, amparado pela tese geral do STF, não estaria obrigado a pagar as taxas de rateio.

Entretanto, nossa tese jurídica demonstrou que, embora a Lei Federal seja de 2017, o Município já possuía legislação específica (Lei Municipal de 2003 e Decretos regulamentadores) que instituía os "bolsões residenciais" e autorizava a gestão e cobrança por parte da Associação.

O Poder Judiciário acolheu integralmente nossos argumentos. A sentença reconheceu que, havendo legislação municipal anterior regulamentando o loteamento de acesso controlado, a cobrança é legítima e devida, mesmo que o proprietário não seja formalmente associado, afastando a aplicação simplista da liberdade associativa em prol da coletividade e da vedação ao enriquecimento ilícito.

Conclusão

Este caso reforça que litígios envolvendo taxas associativas não possuem soluções padronizadas. Para as Associações, é fundamental contar com uma assessoria jurídica que realize um "pente-fino" na legislação urbanística local e nos atos constitutivos do loteamento. Para os proprietários, é um alerta de que o simples ato de "não se associar" não garante isenção de pagamento se houver amparo legal municipal para a cobrança.

A segurança jurídica e o sucesso na demanda dependem, invariavelmente, da análise técnica aprofundada das particularidades de cada município e de cada empreendimento.

Decisão Favorável Obtida (Referência)

Abaixo, transcrevemos trecho da r. sentença proferida pelo Juízo da Comarca de Jaguariúna, acolhendo a tese defendida por nosso escritório:

"A questão envolve a exigibilidade de taxas de manutenção e conservação em loteamento de acesso controlado, matéria que foi objeto de repercussão geral no STF (Tema 492). [...] No caso em análise, existe lei municipal anterior [...] que disciplina expressamente a questão dos 'bolsões residenciais' no município [...].Este arcabouço normativo municipal confere legitimidade à atuação da associação autora como provedora da manutenção das áreas comuns, bem como à cobrança das respectivas taxas de manutenção. [...]O réu alega ter se desassociado em março de 2017. Contudo, tal circunstância é irrelevante no caso concreto, uma vez que a existência de lei municipal anterior regulamentando a matéria torna legítima a cobrança independentemente da condição de associado, conforme expressamente reconhecido na tese de repercussão geral do STF. [...] Assim, a cobrança das taxas encontra fundamento não apenas na Lei 13.465/2017, mas principalmente na legislação municipal que a precedeu [...]. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu ao pagamento [...] referente às taxas de manutenção em atraso."(Processo nº 1001308-05.2024.8.26.0296 – TJSP)

Sobre o Autor

Ednei Oliveira Antunes é advogado sócio proprietário e fundador do escritório Ednei Oliveira Advocacia & Assessoria Jurídica. Mestrando em Processo Cível e Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Universidade de São Paulo (USP), possui MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Pós-Graduação em Processo Cível pela PUC Campinas-SP. É especialista em Execução Cível e bacharel em Direito pela Universidade Adventista de São Paulo.